As mídias sociais estariam corrompendo o jornalismo?

Por Roy Greenslade
Ex-editor do Irish Times, Conor Brady deu uma contribuição para o aparentemente infindável debate sobre as diferenças entre a mídia tradicional e a mídia digital. Considerando seu status de jornalista veterano e seus antecedentes em jornais, talvez não seja surpreendente que ele ache parte da produção das redes sociais inaceitável.

Para ser justo com Brady, não acho que o título dado à sua coluna na edição irlandesa do Sunday Times, Trust and respect for the media are being bruised by the hunger for hits [“A confiança e o respeito pela mídia vêm sendo feridos pela fome por furos”], reflita suas preocupações fundamentais sobre os argumentos levantados durante uma conferência sobre mulheres na mídia e, em outra conferência, na Universidade de Boston.

Mas ele enfatizou uma suposta “guinada para a insensibilidade, e mesmo grosseria, na medida em que caem as fronteiras entre a mídia convencional e a mídia ‘social’”. Preste atenção nas aspas redundantes, pois vêm mais por aí.

Os jornais têm uma longa história de pecados

Ele escreveu:

“Foi chocante ouvir [num evento sobre mulheres na mídia] cada pessoa que discursava descrever o caráter ofensivo e abusivo que encontram nas redes sociais e a sensação de impotência no sentido de conseguir evitá-lo ou reagir de maneira eficaz.

Ao mesmo tempo, foi surpreendente ouvir tanta ênfase dada por editores e jornalistas que trabalham em redes sociais à velocidade de sua responsabilidade de resposta, assim como aos volumes de ‘sucessos’ e ‘impressões’ que acumulam, mas dando menos importância ao valor daquilo que é dito.

A notícia é, cada vez mais, sobre o instante e o urgente, e não tanto sobre o importante ou o duradouro.

Num clima desses, é inevitável que ocorram intervenções de opiniões pobres, talvez ferindo sem intenção e, às vezes, uma caracterização injusta de pessoas e organizações que aparecem na pauta do noticiário.

E não é possível proteger a transferência dessas novas mídias de forma a que não influenciem mais mídias tradicionais. Todas elas – dos jornais, aos programas de rádio e às emissoras de televisão – se encontram envolvidas no redemoinho que exige uma reação instantânea, não permitindo, na prática, a reflexão ou o uso de uma opinião crítica.

A internet e as redes sociais não podem ser desinventadas. No entanto, se os jornalistas e os programadores permitirem que assuntos urgentes e triviais expulsem os importantes, e se sacrificarem frequentemente a opinião em nome da velocidade, haverá uma ruptura na confiança e respeito em relação à mídia.”

Daria para adivinhar que alguns críticos do jornalismo impresso rebateriam dizendo que esta ética questionável – incluindo várias “reações instantâneas”, a omissão ao não usar uma “opinião crítica” e a “caracterização injusta de pessoas” – já existia muito antes da chegada da internet.

O mau comportamento, em particular por parte dos jornais, tem uma longa história e todos os pecados que ele aponta nas redes sociais estiveram presentes em inúmeras análises da produção editorial impressa.

Uma má utilização da liberdade de expressão

Portanto, ele pode estar longe do alvo ao responsabilizar a tecnologia digital por delitos jornalísticos. Isso significa sugerir que a mídia tradicional está sendo desencaminhada pela mídia social.

Isto posto, ele está absolutamente certo sobre a necessidade dos jornais e redações de TV resistirem à tentação de reagir com rapidez excessiva aos textos recebidos online. E, ainda mais importante, é inegável que Conor Brady tem razão ao apontar o caráter ofensivo e abusivo que as mulheres encontram. Isso foi uma descoberta importante na recente série publicada pelo Guardian sobre assédio online.

Posso ser indevidamente ingênuo ao pensar que isso acabará perdendo sua força. Isso não quer dizer que fechamos os olhos ao fenômeno. É de importância vital que os abusos sejam destacados e, onde possível, os responsáveis sejam expostos. Os transgressores devem ser intimados a obedecer à lei.

Mas precisamos pôr as mensagens ofensivas e abusivas online em algum tipo de contexto histórico, avaliando-as como uma resposta inicial, ainda que inaceitável, à liberdade de gritar, berrar e xingar mantendo o anonimato. É o equivalente online a gritar “Fogo, fogo!” num cinema repleto de gente quando não há fogo algum. Em outras palavras, uma má utilização da liberdade de expressão.

Duvido que termine por completo, mas tenho um palpite de que irá diminuir de intensidade e, o que é mais importante, seu efeito será reduzido por uma maior compreensão, por parte das vítimas, da covardia que lhe é subjacente.

Reproduzido do Guardian,  tradução de Jô Amado para o Observatório da Imprensa

 

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